domingo, 26 de julho de 2009

Interiores


Precisava se afastar nem que fosse por um instante da proximidade física dos filhos e do marido. Levantou-se, o corpo um pouco menos gracioso do que de costume, deixou sem querer que o braço derrubasse a taça de vinho sobre a mesa. Um filete vermelho e cristalino escorreu para o chão, brilhando como minúsculas ilhas de luz.
Andou, o passo incerto, como se o vinho agora tivesse tomado conta do seu rumo. À janela a noite lá fora colou no seu peito uma dor. Mas a noite, pobre noite, não tinha nada a ver com essa história. Ela então permitiu que o ar cristalino tocasse seu rosto esquecendo o apelo das estrelas que a convidavam a voar. Súbito olhou sua sala onde tudo parecia harmonioso.
O que se passa querida? A voz do marido vem de longe como se ela não mais a reconhecesse. Mas os fios grisalhos que descem pela nuca dele tecem o desejo de trazê-la de volta à intimidade dos anos bem vividos. Reconhece no gesto da filha à mesa, ao levar a mão ao rosto como se afastasse um pensamento triste, o seu próprio gesto, o de sua mãe, o da avó na fotografia.
Ela sentiu então que coisa estranha era a vida.

Maria Helena Mossé

terça-feira, 21 de julho de 2009

LAÇOS DE AMOR...

Tive um grande amigo (o maior de todos!) que dizia:"A amizade é aquele estado de amor que não termina na cama".
Acho engraçado porque, mesmo ele tendo sido meu maior amigo, com ele fui para cama. E não me arrependi. Casei com ele, tive duas filhas e fomos muito felizes.

Mas, voltando ao "estado de amor que não termina na cama", tenho muitos amigos (com os quais não fui para cama) que foram e são estrelas em meu caminho; bússolas em minha vida. Sempre achei importante ter um bom amigo, alguém que fosse meu confidente (ele ou ela) que eu pudesse me espelhar e para quem eu me sentisse importante.

No curso primário, ainda menina, tive tres grandes amigas que perduraram pela adolescência até o início da fase adullta: Ideny, Virgínia e Silvia. Depois que vim para o Rio de Janeiro, fui, aos poucos, perdendo o contato com elas e, hoje em dia, mal sei onde estão. Fiz outros grandes amigos, obviamente, mas essas tres amigas marcaram de forma especial a minha vida numa fase em que ainda estava me descobrindo.

Com a primeira, fui uma verdadeira moleque. Corríamos pelas ruas até à praia, subíamos na goiabeira da vizinha e enchíamos os bolsos de goiaba, soltávamos pipa e ríamos até quase desmaiar por nossas conversas tão bobas e engraçadas. Quando eu estava triste, ela, que tinha lindos olhos castanhos de mel, me dizia quase chorando: Fica triste, não, Marisa, senão eu choro! E eu sabia que ela chorava mesmo, e muito sentida. Para não ver minha amiga chorando, eu dizia: Olha, já passou! Vamos brincar? E depois do abraço de "grandes amigas", saíamos correndo pra goiabeira do vizinho e cantávamos como duas andorinhas. E quando apontava na esquina aquele gatinho que ambas gostávamos, enchíamos cada uma um saco com goiabas madurinhas para ofertá-lo como prova de amor. Entregávamos e saíamos dalí sorrindo, correndo, radiantes de felicidade. Acho que foi a única amiga que não me importei em dividir um homem. Com ela eu aprendi que amiga é a irmã que a gente escolhe. Ideny, que saudades! Eu era tão feliz e não sabia...

Aos 11 anos, conheci uma menina que era toda feminina e coquete. Seu nome era Virgínia e nos tornamos grandes amigas. Fiquei encantada com ela, principalmente quando, ao 12 anos ela passou a usar sutiã. Virgínia não tinha nada de moleque, era uma verdadeira dama, em todos os sentidos. Além disso, era sensata, inteligente e muito madura para sua idade. Na escola, era a primeira da turma e muito popular entre os meninos. E mais! Dançava balé, coisa muito rara entre as meninas de minha cidade natal, pois os pais, normalmente, tinham muitos filhos e não tinham dinheiro para pagar atividades extra-classe. Mas, Virgínia, dançava balé e isso contribuía para fazer dela uma musa. Era toda elegante em sua forma de andar e tinha um corpo todo harmonioso por causa da dança. Eu era apaixonada pela Virgínia . Fiz dela minha "ídola" e passei a tomá-la como modelo para meu desabrochar feminino. Foi com ela que aprendi a fazer charme e seduzir os meninos. Foi ela quem me apresentou os batons e sombras que comprávamos em tubinhos de várias cores e foi ela quem me ensinou a cantar e dançar igual a Wanderléia.

Virgínia também me ensinou algo muito valioso que não pude jamais esquecer: a demosntração de carinho e amor pelos pais. Não que eu não amasse muito os meus pais, mas em criança, fui daquele tipo... um tanto arisca. Passei a beijar meus pais na saída e na chegada em casa. No início ele me olharam surpresos e chegaram a cogitar que eu estivesse doente, depois passaram a gostar e retribuíam os abraços e beijos. Também, com ela, passei a frequentar as missas dominicais. Virgínia foi o tipo de garota que eu chamaria, hoje em dia, de "certinha" e aquele tipo de amizade que todos os pais desejariam pra suas filhas.

Concomitante à Virgínia, tive uma grande amiga chamada Silvia. Esta era uma menina que eu definiria como "resoluta". Imensos olhos verdes e cabelos de espiga de milho, louros, era uma verdadeira artista. Magra , alta e sorridente, parecia saber, exatamente, o que queria, desde cedo. O que eu gostava nela era seu jeito de ser desprendido e muito criativa. Parecia sempre de bem com a vida. Eu sabia que seus pais eram pobres e viviam com muita dificuldade, mas a Silvia, tinha alma de rainha e nunca se queixou de nada. O sorriso estampado no rosto, era sua marca registrada. Podia-se dizer que era uma menina feliz. Seu pai era um designer, numa época que ninguém dava valor, e um daqueles artistas plásticos comuns da Sé de Olinda, Pernambuco. Silvia tinha muita habilidade para a estética e o desenho e, como consequência, virou arquiteta. O que aprendi com ela? A ter personalidade, a me impor e ser eu mesma..

Silvia não era do tipo que fazia julgamentos ou tinha acessos de moralismo. Tinha uma inteligência vívida e transcendental. Quando lhe impunham alguma ordem ou preconceito, ela simplesmente, questionava e perguntava: "por que?". Dava de ombros e seguia livre como um passarinho.

Hoje li em algum lugar sobre a importância dos amigos e dos relacionamentos. É se relacionando e, principalmente tendo amigos, que a gente tem um feedback sobre nós mesmos. Com esse feedback que os amigos dão, a gente tem a chance de dar um passo a frente e evoluir. Não sei qual foi a importancia que tive pra essas três amigas na infância e adolescência, mas algo me diz que eu também, com meus jeitinho meio ingênuo, moleque e criança de ser, tive uma influência muito grande e positiva sobre elas, pois, sempre estiveram perto de mim naquela época e sempre dispostas a me ajudarem. Hoje eu sei que também me amaram muito. Escrevi em algum lugar que laços de amor são aqueles estreitos e firmes e estes, nem a distância, tempo ou a morte vai afrouxar. Obrigada Ideny, Virgínia e Silvia por terem contribuído com meu crescimento e minha evolução. Sem vocês, quem eu seria hoje? Não sei....
FELIZ DIA DO AMIGO!!

Marisa Queiroz
Rio, 21/07/09

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Provocação


O amor é o elixir que move o mundo. Quando não é o amor é a raiva, o ódio, a frustração. Mas, ser movido pelo amor é bem mais interessante, as conseqüências são de produção, de expansão. Os outros sentimentos levam quase sempre à desintegração, à destruição.
Leio o cronista da segunda-feira e fico estimulada pela atitude dele diante da questão que o aluno lhe coloca.
Seria ele limitado à crônica de duas notas só?
Certamente, movido pelo amor, pela sensibilidade ele dá, ao aluno da boina supermaneira, uma lição de como podemos, consultando os arquivos de nossa interioridade, passear pelos sentimentos que vão nos trazendo as idéias das coisas que lemos, dos filmes que nos tocaram, das perguntas que nos são feitas.
O cronista foi se revelando, mostrando o que é deslizar na escrita fazendo uma crônica de muitas notas: obsessão, felicidade trazida pelo amor apaixonado, pelo amor à cidade, pelo amor à vida, pelo amor às calçadas. Adorei a ode às calçadas.
Vou tentar guardar em meu coração tamanha poesia “calçadas servem para passear a felicidade, dar uma pernada nos dolores da existência e botar para caminhar a vida”. Parece letra de samba bom. Joaquim Santos considera a calçada “maravilha urbana que a bandidagem otária e os prefeitos desapaixonados roubaram dos cariocas”. A música continua.
É bom saber que não estamos sozinhos, que há quem pense e sinta próximo a nós.
Interação, provocação dando origem a uma crônica poética, dando um peteleco no meu desejo de escrever, de interagir.
Como diz o autor “cada um lê como quer, vê as bruxas que puder”....
Pego carona em seu escrito e deslizo pela alameda da alegria de poder brincar com as palavras, poder fixar idéias românticas provocadas pela poesia da crônica de Joaquim e pelo brilho da cidade que, apesar do descaso das autoridades, não perde seus encantos, seus cantos e magia.

Segunda, 22/11/04
Sonia

domingo, 5 de julho de 2009

O Poeta e o Mar

É doce amar no mar
Nas ondas salgadas me entregar
Deixar-me levar pela poesia
Nobre timoneira aventureira!....

É doce chorar no mar
Com lágrimas de sal marinho
Sentir saudades dele
Meu ardente poeta, leão marinho!...

É doce viver no mar
Lugar de sal doce
De doce sonhar

De águas vivas e salgadas
Do aconchego de Iemanjá
Mãe dos poetas que almejam
A estrela do a-Mar