quinta-feira, 25 de junho de 2009

Escrever e Sentir

Quando a memória tragar você de mim
As marcas do meu sentir
Estarão impressas nas folhas que escrevi por aí
Ao ler poderei lembrar e novamente sentir
Escrever me salva
Do meu corpo falível

Escrever salva você pra mim

Sonia Viana

terça-feira, 23 de junho de 2009

Emoção


Hoje estou mínima
sinto o não-nominável
amanhã certamente encontrarei palavras
o sentido virá
ganhará destino
certos fatos assombram
o tempo envelhece os fatos
a alma se aquieta
volto ao tamanho que sou


Sonia Viana

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Vagando em plena solidão...

O que é esse aperto na alma?
Que nome tem esse pranto?
Meu ser tem sede de calma
E só encontro desencanto.

Navego num rio de incertezas
Minha bússula é a escuridão
O que será de meu destino?
Onde estará minha luz?

Magoa-me saber que tenho asas
Mas tenho quilos de chumbo nos pés
Lembranças vagas me oprimem
Oh! onde estão as chaves desses grilhões?

Sozinha sufoco a dor
Pois nem tu me enxergas
Sou alma sem irmã
Vagando em plena solidão!

Marisa Queiroz

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Noite

Deitado, costas à porta, Rick esconde-se entre os lençóis. Rapaz novo, bonito, grandes mãos, olhos de águia. Deitado costas à porta, treme de pavor. Medos infantis alimentados por fantasmas milenares; rola na cama banhado de suor. Espreita sombras, perscruta ruídos, certeiro do perigo.
Pavor, noite de terror insone que sombreia seus olhos azuis, deixando sobre os ombros um geriátrico cansaço.
Apaga e acende a luz na vã esperança de afugentar a fantasmagoria reinante. No reino das trevas tudo pode acontecer. Ninguém aparece para socorrê-lo, ninguém aparece para resgatá-lo. Ele pensa - somente eu na luta.
Fantasia-se, então , de Don Quixote, saca sua lança, sobe em seu alazão e lança-se sobre as sombras.
Arruma a cadeira, vira o abajur, fecha a gaveta. Fim da batalha, joga-se na cama e dorme o sono dos heróis.

Suely Marques
04/2008

sexta-feira, 12 de junho de 2009

O GATO


Antes de acender o cigarro, depois de abrir o maço e cuidadosamente escolher um, como se fosse talvez o último, a mulher passeia a mão nos pêlos do gato. Deitado no sofá ele muda de posição, oferecendo seu corpo para mais carícias. A mulher está em pé, ao lado do abajur. Cigarro aceso entre os dedos, ela solta a fumaça em círculos contra o fundo escuro da parede. O gato volta seus olhos amarelos em direção à imagem da mulher de encontro à luz. Ofuscado, suas pupilas transformam-se em riscos, finos como cabelo. Depois, Irene se afasta. O gato a segue, o rabo em S, ao sabor dos passos da mulher que caminha em direção ao quarto. Na mesa de cabeceira o vidro do remédio para dormir está com a tampa aberta. Irene não se lembra se tomou a dose de costume, ou quantas doses tomou. Sente-se confusa, a cabeça esfumaçada. Ultimamente tem adicionado ao remédio uma dose de uísque, o bastante para potencializar a droga. Você é louca, diria Fernando. Mas ele já não está mais aqui. Com ele foi-se a censura e algumas outras coisas a mais, a sensação de segurança por exemplo, ou de ter uma companhia à noite, além do gato. Foram-se também o telefone eternamente ocupado, o zapear infernal dos canais de TV e foram-se, principalmente, as camisas para lavar e passar. Dalva, a empregada, não reclama mais. Só de ter que limpar o pêlo do gato no sofá.
No quarto Irene afasta a colcha da cama, volta-se para o animal e com um movimento leve do pé, o empurra para fora do quarto.

O que se passa com ela? Irene sempre me deixou dormir na sua cama. Até o dia em que um tal de Fernando ocupou o meu lugar. Como se não bastasse trouxe com ele um poodle chamado Mike que teve a ousadia de querer ocupar meu cesto. A minha vida virou um inferno. Enraivecido eu eriçava meu pêlo deixando claro quem mandava nesta casa. Finalmente venci, faz pouco tempo que o tal Fernando sumiu levando pela mão seu cão ridículo.
Voltei a minha vida tranquila e aos lençois de Irene, perfumados de lavanda.
Irene. Eu estava nos seus braços quando abri meus olhos pela primeira vez. Fixei instantaneamente a ternura no seu olhar. À minha volta, luzes e sombras me diziam que existiam outras formas além daquele rosto. Depois, num átimo, passei a controlar cada milímetro deste espaço que viria a ser o meu mundo. Nele aprendi a caminhar sem tocar em nada, sabendo precisamente por onde ir e o que fazer. Com o passar do tempo minha experiência se ampliou. Sei tudo o que se passa com Irene, cada mínima variação do seu estado de espírito, do leve levantar de uma sobrancelha ao retesamento do seu corpo. Sei o que significa a leveza ou o peso das suas mãos sobre meu pêlo. Agucei meus sentidos ao ponto de perceber presenças nesta casa que ninguém vê. Sou um gato para quem passado e futuro nada significam. Sou um gato para quem a vida está imersa no caldo de minhas visões, dos ruídos e cheiros que definem este cenário, de movimentos que me fazem saltar para o inesperado quando por um instante adivinho a exaltação da liberdade.
Com Dalva, a empregada, eu reconheço minhas dificuldades. Quando chega de manhã, ela me encontra no sofá. Espanador na mão, sai pra lá gato, começa o caos. Primeiro, para o meu horror, ela muda os objetos de lugar. Num frenesi rítmico ela se move. Sons pontiagudos cortam o ar levantando a poeira que faz arder meus olhos. Sinto-me perdido. Corro para o meu cesto onde finjo que durmo. Mais tarde, com voz arrependida, vem cá meu gato, ela me chama com uma tigela de leite.
Ao cair da tarde espero que Irene volte à casa. Depois do jantar gosto de brincar com ela enquanto está no computador. Sei que a faço feliz. Quando Irene pousa os óculos na mesa é hora de ir para a cama.
No quarto, quando uma luz fraca escorre pela parede, percebo que o sol está para nascer. Em silêncio, deslizo da cama para não acordar Irene. É hora de ir para a varanda esperar pelo canto dos passarinhos. Fascinado, ouço. É quando lanço o meu grito em busca de um eco. Se existe outro mundo além do meu, não sei.

Foi a empregada quem chegou primeiro e viu que o gato não estava no sofá. Estranhou a porta fechada do quarto da patroa. Irene ainda respirava de mansinho quando os homens de branco vieram buscá-la. No chão o vidro vazio de remédios estava ao lado do copo onde o resto de uísque escondia a marca de geléia barata. Os vizinhos foram muitos gentis e perguntaram o que fazer com o gato.
Dalva o encontrou na varanda. O vento batia na contramão do seu pêlo trazendo no ar um cheiro de lavanda.

Maria Helena Mossé

DIVAGANDO COM MEUS BOTÕES


Tem dias que o coração clama por algo novo, algo que nos tire da mesmice. Algo que nos faça sonhar, matutar e falar com os botões. Acordei com um fraco raio de sol adentrando em minha janela e pensei em dar uma bela caminhada na orla do mar.

Afastei as cortinas, e deparei-me com as misteriosa brumas de outono da cidade. Árvores com folhas gotejadas pelo orvalho da madrugada, cheiro de terra molhada e um tímido sol escondido por entre as grossas nuvens escuras. Minha alma foi surpreendida por um acalento inconfessável e eu me disse sem nenhum pudor: Mas, que caminhada, que nada! O dia pede um chá quente, um edredon, um laptop no colo e uma licença permissiva para sonhar.

Olhei novamente para a nostálgica paisagem e me surpreendi com uma estranha criatura cinza e cheia de patas, grudada como um imã de geladeira no vidro de minha janela. Com o que parecia aquele inseto? Uma mistura de aranha com besouro e barata de praia. Teria um nome específico? Não sei, mas cuidei para que os vidros estivessem bem fechados para que ele não pudesse entrar.

Me questionei depois se eu deveria ser mais ecológica ou tratar mais a minha entomofobia. Porém, a vida nos ensina que a sós, podemos ser politicamente incorretos, ser a "rainha malvada" ao invés de "princesinha". Odiei aquele inseto grudado no meio da paisagem de minha janela e senti vontade de dar-lhe uma "maçã envenenada". Porém resolvi perdoá-lo pois, não fosse por ele, mexendo com minhas vísceras, não teria tido a oportunidade de fazer uma reflexão sobre minhas próprias sujeiras decantadas.

Gosto de escrever e quando o faço, apaixono-me por mim mesma. Um ato puramente narcísico. Se Narciso soubesse escrever, ele certamente não teria se afogado com sua própria imagem no lago. Teria se conservado apaixonado por si e seduzido o mundo com sua literatura. Ai, como eu amo os poetas! Mas, só os verdadeiros poetas, aqueles que, como diz Fernando Pessoa, mentem tão completamente que fingem que é dor o que deveras sentem. Gosto também de escrever poesias e de deixar meu coração me iludir com as dores, paixões e solidões que ele mente que sente. Chego a acreditar tanto neste meu fingido coração que, por vezes, sofro e choro como uma poetisa sentida.

Gosto de escutar, liberar e escrever as loucas palavras vãs que vêm de meu coração - pândego sentimental, um bobo sem razão, que me faz experimentar as mais insensatas emoções. Escrevo crônicas, poesias e contos e, neste embalo da alma é que canto e me encontro.

O inseto já se foi. As brumas esconderam mais ainda o sol e agora uma fina chuva cai. Eu, aqui em meu quarto, continuo matutando com minhas letras, dissecando minha alma e divagando com meus botões.

Rj, junho de 2009
Marisa Queiroz

sábado, 6 de junho de 2009

O CASARÃO DAS MIL JANELAS

Um cheiro de café e fubá entra pela fresta da porta. É a preta Isaura que tira do fogão, aceso a lenha, um bolo, uma rosca, um pão. É ela, também, que entra e escancara as janelas inundando o quarto de luz.
Seis horas; nós, rapazes sonolentos ainda embriagados pela cachaça madrigueira, resmungamos e gritamos. Mas o aroma matutino nos faz calar a algazarra e correr à mesa. Madeira bruta, tombada na mata, que talhada a faca preenche a parte nobre do salão.
Janelas abertas, uma, duas, vinte, permitindo que o sol tamborile sobre a louça alva que, convidativa, nos espera. A boca amarga toca o quente do leite, o sal da manteiga. A luz que entra faz arder os olhos. Uma folha da janela se fecha.
Estamos prontos, espingarda nas costas somos bravos caçadores. Cão trilheiro ladra anunciando a marcha. Ao longe, um olhar sobre o casarão e suas mil janelas. O vento fustiga as cortinas, o grito da preta velha ecoa no ar. Nós caçadores seguimos em busca de aventuras.
Passa a manhã, sol a pino, regressamos famintos. Longe, o casarão se torna branco, muito branco no contraste com o céu de um imaculado azul. Na cintura o cinto pesa, são perdizes e codornas, abatidas por tiros certeiros meio à revoada no chapadão.
Mesa na varanda, cheiro de carne. Porco assado mergulhado na banha. Cachaça na garrafa, tilintar de copos, janelas que batem. É o vento que sopra sonolento lembrando que elas, as janelas, estão lá, azuis contra o branco calcário das paredes.
Preguiçosos, nos recostamos. Rapadura na boca adocica a fumaça, que entra via palha seca do cigarro caboclo. Fumo de rolo, velho contador de estórias e casos. Riso gaiato, anéis de fumaça que se desprendem no ar. Ao longe, o som da roda do engenho que trabalha incessante, fazendo correr a garapa da cana.
Horas mornas e sombrias, a tarde cai dando um tom alaranjado às paredes. São grilos e sapos, vaga-lumes e mariposas que, num compasso toante, compõem uma melodia que nenhuma orquestra ousou imitar.
É o banho no açude gelado, é a toalha que, cheirando a sabão de cinzas, nos recebe num afago. É a barriga que ronca em comunicação certeira à panela que, fumegante, prepara a grossa sopa de entulho.
As janelas uma a uma vão sendo fechadas, como olhos que procuram descanso. Oculto pelo crepúsculo está o casarão. No mato o grito da coruja, o uivo do guará desperta a fantasmagoria reinante.
Tinha quinze, vinte, vinte e cinco anos, não lembro. Apenas surpreso me vejo diante do casarão; mil janelas, mil aventuras.
O sol, mais uma vez tamborila na mesa. Olho, é ela, uma janela aberta, escancarada, permitindo que ainda trinta, quarenta ou cinqüenta anos depois, me lembre que a vida está aí como um velho casarão cheio de janelas a serem abertas...

Setembro 2001

Menina Maísa: o que ela quer?


O que é que uma criança de seis ou sete anos de idade quer?
Proteção, amor dos pais e brincar, certo? E se essa criança for um prodígio? Deve ser tratada diferente? Depende do ambiente onde ela vive e dos adultos que a acompanham.

O que é uma criança prodígio?
Entende-se que a criança prodígio é aquela especialmente muito talentosa para a sua idade em alguma área. Ela costuma revelar talento a um nível similar ao de um adulto e surpreende pela capacidade brilhante de resolução de problemas. Os prodígios são crianças excepcionalmente precoces em algum tipo de habilidade. Nascemos com um potencial interno que se desenvolverá de acordo com a qualidade, a quantidade e o momento em que esse cérebro começa a trabalhar. Algumas pessoas acreditam que com condições favoráveis e estimulação adequada, qualquer criança pode atingir algum nível de sobredotação, talento ou prodígio. Partem do princípio que um ser humano normal dispõe, ao nascer, de estruturas (biológicas e psicológicas) que o tornam susceptível de ser elevado ao nível de sobredotação através da influência do meio, o que não é verdade.

Todas as crianças nascem com mais ou menos potencialidades, mas algumas, por razões genéticas, estão mais bem preparadas para superarem a maioria das outras, mesmo quando a estas se proporcionem as mesmas condições e os mesmos estímulos. É importante estimular a mente infantil desde cedo. Porém, é preciso tomar cuidado com os excessos, que ao invés de beneficiar o desenvolvimento intelectual, vai bloquear suas funções, pois nem sempre a predisposição biológica e psicológica da criança está voltada pra a área que está sendo estimulada. Os pais que se preocupam demasiadamente em estimular seus filhos acabam transmitindo uma enorme ansiedade e gerando, às vezes, frustrações desnecessárias nas crianças.

Maísa, menina que trabalha na SBT, parece sim, uma criança prodígio, pois encanta a todos com sua inteligência e capacidade de verbalização e interação com o público, com apenas seis anos. Seu cérebro parece um centro complexo de sinapses velozes e relampejantes. É difícil não gostar de assistí-la. Não obstante, essa pequena notável revela algo da ordem, não da inteligência e intelecto, mas da ordem das emoções, que a fragiliza e pede socorro.

Há uma ação do MP para retirá-la do programa de TV do Silvio Santos, por ela ter, por duas vezes, chorado copiosamente em público. Numa das vezes, ela explica em off ao Silvio Santos que tem medo de máscaras e ele, assim mesmo, chama um mascarado no palco. Maísa grita e chora desesperadamente sendo retirada do programa. De outra vez, SS a repreende em público e ela, dizendo sentir-se magoada, chora novamente, desta vez se acidentando e batendo com a cabeça numa das câmeras. Nas duas vezes, tanto o SS quanto o público, se mostram absolutamente insensíveis. Riem e aplaudem o sádico espetáculo. Maísa procura o apoio da mãe que lhe dá um copo de água dizendo que vai passar e manda-a de volta ao palco.

Perplexa com as imagens daqueles vídeos, me perguntei: “O que está acontecendo com o SS, os pais da Maísa e com o público? Não percebem que ela é apenas uma menininha de seis anos de idade? Que ela não entende certos tipos de brincadeira e ironia dos adultos?” A bem da verdade, a pequena estava sendo atirada aos leões da arena televisiva e o público, inconsciente, aplaudia e gritava por mais. Fiquei a pensar o porquê daquela reação impensada do SS e daquelas pessoas na platéia.

É certo que crianças prodígio, muitas vezes, confundem o adulto, pois sua inteligência e capacidade de interação é espantosa e se assemelha a um adulto. Porém, a diferença é que sua mentalidade e suas emoções são de uma criança. Maísa tem medo de máscaras. Podia não ter, mas tem. É bem compreensível nas crianças de sua idade. Ainda está afetivamente envolvida com fábulas e histórias infantis.

Os contos de fadas, como sabemos, são muito úteis na infância para ajudá-las a elaborar sentimentos de amor e ódio. Porém, infelizmente, muitos adultos usam os personagens de contos de fadas de forma distorcida, apenas para assustar as crianças. E, ao invés de lhes propiciarem o entendimento de seus próprios sentimentos, as confundem fazendo-as sentirem pavor e se bloquearem afetivamente.

Maísa está caminhando para uma fase que nós, psicanalistas, chamamos de latência – fase onde a criança recalca seus desejos edipianos e se prepara para a inserção social e cultural através da educacão. Essa transição tem que ser vivida com muita serenidade pela criança e pelos pais para que ela não desenvolva nenhuma fobia, paranóia ou outros traumas. A menina Maísa, por ser precoce e celebridade muito cedo, deve estar também com muito medo do peso da fama. Seu descontrole emocional frente a uma máscara é bastante indicativo de que algo a aflige, algo que talvez nem ela mesmo saiba o que é. Mas certamente esse algo tem a ver com a fase que ela está passando.

Os pais e adultos nessa hora têm a função de acalmá-la e protegê-la. Não obstante, o público e o próprio SS a tratou como “a chorona”, “ a medrosa” e outros termos agressivos, como se ela fosse um adulto fazendo cena. A mãe, que estava nos bastidores, também não a entendeu e a tratou como se fosse uma adulta ou uma criança manhosa, mandando-a de volta ao palco.

O inquérito do Ministério Público Federal está apurando quais as medidas legais cabíveis que podem ser adotadas em relação ao desrespeito de princípios constitucionais e legais sobre a produção de programas de rádio e televisão quanto à exploração indevida de imagem e violação de direitos da criança. Sim, isto deveria ser feito para todas as crianças que, disfarçadamente, são exploradas como força de trabalho e avaliadas as condições de suas saúdes física e psicológica.

Certos "adultos" deveriam saber que não se deve fazer medo a uma criança, muito menos em público e em grupo. E deveriam saber também que não se deve rir e debochar dos sentimentos de uma criança, nunca.
Enfim, o que uma criança prodígio de seis anos quer?
Exatamente o que qualquer outra criança de sua idade deseja: amor e proteção dos pais e espaço para brincar e se desenvolver. O melhor lugar para Maísa é em sua casa, com os pais, e na escola onde pode brincar com crianças de sua idade e ter um desenvolvimento emocional saudável, de acordo com suas necessidades.

RJ, maio de 2009
Marisa Queiroz

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Quando é que nossa ficha cai?...


Já observei que o mundo em sua alta velocidade só para e faz um minuto de silêncio diante de uma tragédia ou uma catástrofe. Parece que é, justamente nestes momentos, que nossa ficha cai e nos perguntamos: "Pra que tudo isso? Por que corro tanto assim? Por que vivo tão estressada com coisas tão pequenas? Por que não paro tudo vou fazer só o que quero e ficar mais tempo com as pessoas que amo?

É como se houvesse um instante de lucidez total e, por alguns minutos a gente apreende a vida do jeito que ela é.Com o desaparecimento trágigo do boeing 447 da Air France, com quase 250 pessoas a bordo, na noite de domingo passado, vi este fenômeno acontecer mais uma vez. Comoção geral entre as pessoas nas ruas, escolas e lares, e aquele sentimento aflorado nas expressões de cada um.

Ouvi do vendedor de frango de minha rua (sempre muito sábio) a seguinte reflexão: "Pois é, Dona, a gente fica aqui contando os trocados, querendo coisas que a gente não pode ter, desejando ser o que não é e a gente não nota que a vida é só uma e que pode ser interrompida a qualquer momento. Por que a gente não torna a vida mais simples e valoriza só o que tem que ser valorizado, que é o amor e a felicidade?"

E ouvi também de um motorista de taxi:"Sabe , Dona, eu nunca mais vou correr e fazer loucuras no trânsito com meu taxi pra satisfazer capricho de passageiro. Imagine a senhora, que ontem (domingo) eu peguei um casal de americanos, muito nervosos, que me disseram que tinham que pegar aquele vôo 447 à 19h no aeroporto Tom Jobim, e que estavam atrasados. Me deixaram muito tensos porque a mulher gritava, 'corra motorista, eu morro se não pegar este avião!'. Sim, eu fiz um esforço e quase morri neste trânsito aqui para que eles não perdessem o vôo. E olha aí o que aconteceu. Isso me fez repensar sobre minha vida. Vou me aposentar e ficar mais tempo com minha mulher, filhos e netos."

Esses e outros exemplos nos fazem pensar que a catátrofe é muitas vezes uma espécie de "tapa na cara" do ser humano. Pois é aí que ele pára, nem que seja por algumas dias ou horas, e pensa sobre a real essência da vida. É quando ele se despoja de toda pequenês criada pelos meios de comunicação nutridos por uma imensa vontade de que a vida seja diferente e cada vez mais ilusória. Onde o que tem valor é o comprável, o descartável, os modelos estéticos impostos, a competição e a soberba. Onde a alma do mundo ganha cifrões e lucros imorais.

Mas, quando a ficha cai, o ser humano se engrandece e vê o mundo de cima com os valores que realmente existem. Daí, se torna forte, sábio e mais humanizado entendendo a vida do jeito que ela é. Porém, infelizmente, para a maioria, essa lucidez da alma é passageira. O ser humano adora viver no mundo da ilusão, desde a idade das cavernas. Logo, logo, a lucidez volta a ser escanteada pelas aparências do mundo andywarholdiano, e ele só volta a pensar ou a "cair em si", quem sabe, numa próxima catástrofe, ou talvez quando chegar a sua própria tragédia.

Rio, junho de 2009
Marisa Queiroz

segunda-feira, 1 de junho de 2009

SOBRE BRUXAS E FADAS - UMA CRÔNICA CARIOCA

O dia estava farrusquento assim como seu humor. Manhã sem sol, mormaço pesado e ameaçando chover. Ela precisava chegar logo em Botafogo e naquela hora da manhã levaria uma meia hora. No mínimo. Mas precisava chegar antes. Estava atrasada. Dirigiu preocupada por toda a Jardim Botânico e descendo a Voluntários, torcia para encontrar vaga no estacionamento da vila da Real Grandeza. Nem sempre conseguia. Aí, com certeza, seriam mais quase quinze minutos de atraso. Ia preocupada com a consulta médica da véspera, com a receita nova de baba de moça que precisava testar, com a voz esganiçada da vendedora que insistia em dizer que aquele produto não se fabricava mais. E e o nariz dela? Igual, só o da amiga da avó, que uma vez quando criança, ficou rindo a tarde inteira, com as irmãs, daquele gigantesco nariz. Distraída, ao ver a loja de produtos para bichos de penas e pelos, lembrou dos cachorrinhos que nasceram. Precisava avisar ao vizinho que queria comprar mais de um, que faltavam só poucos dias. E aquele homem estranho andando no meio dos carros? Será que vai assaltar alguém?
Quando chegou, um carro atrapalhava a visão da entrada. Sem pensar muito deu uma guinada rápida e entrou na frente para tentar saber se havia vaga ou não. Só então percebeu que a mulher na direção do outro carro fazia a mesma coisa, e que havia fechado o carro dela. Sem graça, orientada pelo porteiro, entrou na frente e aliviada pela hora, estacionou. Enquanto aguardava ser chamada, andando de um lado para o outro, irrompeu na sala de espera, a mulher, alta, irônica e bonita, falando alto: Aquele carro preto é seu? É, você me desculpa… Mas antes que conseguisse dizer mais alguma palavra a outra despejou sem mais nem menos: Seu carro é mesmo lindo! E está muito bem conservado. A pintura é original? Você deve cuidar muito bem dele! Você não quer me vender seu carro? Assustada com tamanha efusão para um carro econômico, pequeno e sem grandes atrativos a não ser cuidados normais e diários, ela respondeu que não. Não estava interessada em vendê-lo.
Intrigada com a conversa da mulher, novamente se perdeu em pensamentos e lembranças, enquanto dirigia por Botafogo até o Cosme Velho. Listou tudo o que precisava lembrar de fazer. Tantas coisas diferentes, fáceis de esquecer. Um aniversário para parabenizar, uma conta para pagar, um email para responder e no fim do dia, não tinha jeito, sempre faltava alguma coisa. Encontrou a mãe. Iam almoçar na cidade, e fazer compras de Natal. Mas, mal conseguiu sair do portão. Na calçada em frente precisou fazer uma manobra e não viu a mureta que atrapalhava seu caminho. Bateu. Na hora lembrou-se da mulher. Mas, que nada! Não ia ficar ali preocupada. Ela é que era distraída mesmo. Essas coisas não existem. São frutos da nossa imaginação. Deus é bom e só a Ele devemos temer, resgatou das lições que recebeu na escola católica. E, com um frio passando pela espinha, sabe-se lá, resolveu rezar baixinho. Sempre é bom se proteger.
Na semana seguinte, na mesma sala de espera, com o carro batido estacionado em frente, novamente aparece a mulher que vai entrando eufórica: Oi, Você bateu seu carro? O que houve? Seu carro maravilhoso? Agora não vai mais poder vender? Com outro frio na espinha, mas sem perder a pose, ela nem pestanejou. Olhou séria para a outra e disse: Batido? Meu carro? Claro que não! - Mas não é seu carro que está ali fora, amassado? Não!! Eu nunca bati e não sei do que você está falando.
Virou as costas e saiu rapidamente sem permitir esticar mais nem um minuto aquela conversa. Dirigiu aflita. Não conseguia se concentrar no trânsito. Continuou em direção a Copacabana pelo escuro e sujo Túnel Velho. Só a visão da praia no final da Siqueira Campos conseguiu lhe dar um pouco de paz. Resolveu parar para caminhar um pouco. Precisava respirar ar puro e se liberar de todo e qualquer possível mau olhado. Driblou meninos de rua e guardadores de carro, atravessou as pistas da Atlântica e caminhou embevecida, ainda abalada com a conversa daquela manhã. Senhoras com suas acompanhantes, mães com suas crianças sujas de areia, baldes e pás, atletas compenetrados, todos passavam pra lá e pra cá. Resolveu sentar-se e aproveitar uma agua de coco. O quiosque, daqueles antigos, estava vazio a não ser por uma mulher que lia. A mulher lhe sorriu. Arriscou um sorriso em resposta ainda sem saber se deveria. Logo entabulou-se uma conversa. No começo cautelosa, aos poucos mais à vontade. Como era bonita a cidade e como era ao mesmo tempo maltratada. Malquista pelos seus moradores. E pelos seus governantes. Conversa típica de quem não se conhece. Era uma linda mulher. Alta, olhos azuis contrastando com a pele castanha. Perguntou de repente se poderia ajudá-la, só teria que ouvi-la, precisava ensaiar para uma apresentação. Claro que não, respondeu curiosa, mas ainda amedrontada pela experiencia daquela manhã. A estranha então levantou-se e sem cerimônia, tendo por palco a praia de Copacabana, como quem tem uma grande intimidade, declamou, para ela e só para ela, um dos mais bonitos poemas de Carlos Drumond de Andrade. Novo arrepio na espinha, mas esse lhe aqueceu a alma. O Rio tem mesmo de todas as coisas.
Junho de 2008