terça-feira, 28 de abril de 2009

O GUARDIÃO DO CASTELO



O movimento na casa começou diferente. Meus pais acordaram um pouco mais tarde que o normal, e já “arrumavam as tralhas”, como costuma dizer minha mãe. Todo sábado é assim. Acho que eles não gostam de ficar em casa aos sábados. Sempre vamos a um lugar diferente, – fazenda da minha avó, ou casa da minha tia na praia. Quando não saímos da cidade, vamos visitar lugares novos por perto.– Bom, pra mim que só tenho nove anos, quase tudo é novo mesmo, mas acho que até pra eles alguns desses lugares são novos também. A conversa é sempre mais ou menos essa, que eu devo conhecer e gostar de ir a museus, parques, livrarias, essas coisas.
Naquele dia disseram que íamos a um museu, mas que seria um museu diferente de todos os que eu já tinha visto. O que seria um museu diferente?
Quando chegamos achei tudo esquisito. Nada ali parecia com um museu. Parecia mais uma ruína ou uma construção inacabada. Fiquei mesmo impressionado com o lugar. Era parecido com um castelo antigo e como já disse inacabado! E morava gente lá! Na entrada tinha uma torre com um portãozão de madeira bem bonito, com brasão da família e tudo. Tinha fosso, muralhas e construções de pedra, algumas com telhado, outras sem nada, arcos antigos, mas sem nenhuma função. Acho que não tinham sido terminados ainda.
O dia estava bonito. Logo que chegamos encontramos as outras crianças. Fui brincar, mas não conseguia me desligar. Aquilo ali não podia ser museu, era completamente diferente de qualquer outro que eu já tinha ido. Mas também não podia não ser: era cheio de canhões, faróis enormes, carroças antigas, algumas estátuas; positivamente aquilo devia ser um museu. Fiquei curioso. Comecei a imaginar quem tinha construído aquele castelo, e quando? Quem tinha juntado aqueles canhões, e como?
Brinquei um pouco, joguei futebol, corri pra lá e pra cá com as outras crianças, mas continuava impressionado.
De repente, alguém nos chamou pra conhecer tudo. Foi a hora mais legal! Não ouvia bem o que dizia, afinal ele conversava mais com meu pai e eu ficava perto pra não perder nada. Fomos andando em volta de uma espécie de praça cercada de arcos mas que não tinham nada atrás. Tudo ali parecia que “um dia ia ser”. Foi como eu entendi.
Aí entramos em um corredor escuro todo feito de pedra. Não tinha nenhuma luz. Era uma galeria subterrânea que ia afundando cada vez mais. Um lugar impressionante, parecia um túnel do tempo. Pensei: Não pode ser! Estou sonhando? Ou será que dessa vez consegui entrar dentro de um livro? Como podia existir um lugar como aquele? Parecia mesmo mágica, era como se a gente não estivesse ali de verdade. Só no pensamento. Mas a mão da minha mãe segurando a minha me deixava confiante. Se eu estivesse sonhando ou dentro de um livro o fato era que minha mãe estava também, junto comigo.
Continuamos andando. No fim do corredor chegamos a um salão todo de pedra com uma mesa bem grande cheia de cadeiras pretas em volta, parecia uma mesa de banquete. Na parede, uma enorme tapeçaria e umas espadas arrumadas com mais um brasão no meio. A sala ao lado era uma biblioteca. Nosso guia puxou uns livros da estante e surgiu, de repente, uma passagem secreta. Só podia ser um sonho! Era de pedra também, bem estreita e nos levou até a masmorra, escura e sem janela. Muito gelada! Caramba, era mesmo uma masmorra. Acho que foi numa história do Ivanhoé que ouvi falar de masmorra. Não lembro bem, mas de qualquer maneira foi numa história. Ali era de verdade. Ou não? As meninas que estavam com a gente começaram a gritar quando vimos uma caveira num dos cantos da masmorra. Será que alguém um dia tinha mesmo morrido ali? Eu teria gritado também se não achasse que estava sonhando.
Depois da masmorra o grupo todo seguiu em frente descendo ainda mais naquele labirinto. Demos numa adega antiga, cheia de garrafas vazias e muita teia de aranha. A cada passo, mais eu tinha certeza que nada ali era real, mesmo quando os morcegos agitados com o movimento tiravam rasantes da gente e nos davam motivos pra gritar ainda mais. Fiquei observando uns insetos grandes e diferentes na parede da adega, me distraí e quando me dei conta não vi mais ninguém. Fiquei com muito medo e procurei ouvir de onde vinham os sons, mas só consegui distinguir um barulho de água correndo. Fui andando naquela direção, continuava escuro, e então vi um riacho subterrâneo que eu precisava atravessar. Fiquei sem saber pra que lado deveria ir. Escolhi descer o riachinho pois percebi uma luz no final. Andei bastante, morrendo de medo, procurando não esbarrar nos morcegos e nem naqueles insetos esquisitos quando escorreguei e caí. Levantei, me ajeitei e dei de cara com um velho sentado, fumando uma guimba de cigarro com um chapéu e um paletó amarrotado. Ele estava quieto, me olhando e nem sei como não senti medo dele. Perguntei: - “Quem é você? –“Eu sou o Josias”, ele me respondeu. “Trabalhei neste castelo minha vida inteira. O Dr. ainda me chama quando precisa de ajuda”. – “Mas você mora aqui, perguntei, -nesse lugar?” – “Isso mesmo, eu sou o guardião do castelo. Eu que cuido para que ninguém invada este lugar. Para que tudo continue sendo do jeito que o Dr. queria”. “Que Dr.?” perguntei meio assustado, meio curioso. “O Dr. foi quem construiu isso tudo aqui. Mas e você quem é? O que faz por aqui?” perguntou já mudando o assunto. Não sabia o que dizer. Perguntei como podia sair dali e encontrar meus pais. Disse que me mostraria o caminho desde que eu não dissesse a ninguém que o tinha encontrado. Prometi, é claro! Eu só queria voltar.
Ele me fez voltar por onde vim e quando chegasse novamente no riachinho perto da adega deveria subir, e não descer como eu havia feito, até encontrar uma escada com uma porta preta no final que eu deveria puxar e não empurrar, lembro bem desse detalhe. “E os morcegos?”, perguntei. Disse que todos iriam dormir a uma ordem dele.
E foi assim. Sem entender nada direito ainda, segui suas orientações, achei a porta, puxei e finalmente vi a luz do dia. Quando encontrei minha mãe e meu pai na varanda, sem terem se dado conta que eu não estava com as outras crianças, pensei em contar tudo, mesmo desobedecendo ao velho. Mas percebi rápido que não ia adiantar nada. Imaginei logo a reação deles: - “Como assim um velho? Como assim guardião do castelo? Meu filho, acho que você anda lendo muitos livros.”
Foi isso. Ou tudo foi um sonho, ou eu estava mesmo vivendo a história de um livro. Mas isso eu não podia explicar. O único jeito era talvez tentar convidar minha mãe pra entrar no livro comigo. Achei isso muito complicado. Deixei pra lá e fui jogar bola.

Alice Pougy
Setembro 2006

2 comentários:

  1. Queria ter conhecido um lugar assim quando eu era criança...

    ;)

    ResponderExcluir
  2. Olá,querida Alice.

    Adorei a crônica, bastante interessante!
    E quanto a imagem do castelo , apaixonante!!

    Bjs Leila Rodrigues

    ResponderExcluir